11 setembro 2012

PATRIMÓNIOS NO JORNAL BADALADAS



Em 9 de Março de 2012


A ESSÊNCIA DO CENTRO HISTÓRICO

                 J.P.Sobreiro

A eleição do “Centro Histórico” como categoria patrimonial merecedora de atenção e de cuidados de preservação no corpo legislativo de protecção da herança histórica, remonta aos anos setenta. Tratava-se de considerar que o “monumento” isolado, indiscutível testemunha da história e da arte de um povo ou comunidade – de há muito já consagrado pelas sociedades – carecia de uma zona de protecção que o defendesse de agressões estéticas e o tornasse legível do ponto de vista da própria importância histórica.
Impunha-se, pois, assegurar um enquadramento urbanístico que lhe conferisse maior coerência. Assim, do largo envolvente à Catedral ou da Rua Direita pontuada por fachadas típicas, a atenção passou a abarcar toda a vasta rede de artérias e espaços orgânicos que tornam compreensível, ainda hoje, a vida económica, social e religiosa das comunidades, as relações de poder, os traços de uma cultura arquitectónica enraizada na tradição. Em suma todo o “casco histórico”, onde pulsava ainda a vida, onde as funções de habitar, trabalhar e folgar ainda não estavam espartilhadas.
Reflectia-se, de resto, as tendências da própria evolução da historiografia moderna, com uma atenção cada vez maior centrada no social e consequente atenção ao fenómeno da história urbana. O conceito de centro histórico viria a impor-se em contraponto com a acelerada expansão urbanística descaracterizadora de vilas e cidades com história.

Mas como caracterizar, definir, delimitar um centro histórico? Então a História não é contínua? Em que parâmetros fundamentar a eleição do que é “histórico”? Obviamente que a questão permanecerá sempre em aberto e com o decorrer dos tempos a noção do que é “histórico” vai sendo actualizada, como se vai enriquecendo a nossa visão do que tem ou não qualidade para ser preservado, independentemente da sua época.
Mas para nos referirmos aos parâmetros que têm vigorado ate à data, podemos fundamentá-la através de uma análise do tempo histórico impresso na forma da cidade, numa visão de ciclo civilizacional.
Assim, podemos verificar que durante séculos (entre nós, desde a Idade Média até ao Século Vinte) o modo de construir e de organizar o espaço foi lento e contínuo, sujeito à limitação dos materiais e força de trabalho locais (salvo raras excepções) e a relações económicas de proximidade e vizinhança, o que conferiu ao tecido urbano, assim sedimentado, uma escala e uma coerência formal, uma unidade estética na diversidade dos tempos e dos estilos, onde se respira uma atmosfera única e não repetível.
O Centro Histórico pode então definir-se como o conjunto urbano primordial que acolhe espaços e edifícios de referência que constituem os cenários onde repousam as nossas memórias pessoais e colectivas.
Sem desvalorizar o seu potencial económico, o Centro Histórico é sobretudo um espaço afectivo. O seu encanto reside precisamente no orgânico das artérias, no formulário dos elementos, na proporção e na escala do construído, na irregularidade dos muros, na textura dos rebocos, na antiguidade dos materiais, na humanidade do seu espaço…
É esse o seu valor patrimonial. Uma herança que temos de saber gerir.
Por isso, intervir nele constitui sempre uma tarefa delicada, sem lugar para experimentalismos e modas. Antes com serenidade e conhecimento. Antes com diálogo e respeito por aqueles que até hoje lhe conferiram vida. Com uma contenção que não exclui a criatividade, mas que dispensa o capricho!
Creio ser importante relembrar isto quando todos nos preocupamos, justamente, com o crescente definhamento social e económico da nossa zona histórica.
Para que não matemos o doente pelo desejo da cura.

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