11 setembro 2012

PATRIMÓNIOS no jornal BADALADAS


Em 6 de Abril de 2012


TENTATIVA E ABANDONO DO CENTRO HISTÓRICO

J. P. Sobreiro


Quando a Associação do Património foi fundada, em 1979, o centro histórico de Torres Vedras apresentava já alguns sinais claros de descaracterização comprometedores do seu equilíbrio urbanístico. Por isso nele se centrou a prioridade da sua acção.
Adivinhava-se na vila, então promovida a cidade, um natural desejo de afirmação da modernidade que a nova era democrática inspirava, desígnio esse de que o crescimento urbano seria uma inevitável expressão.
Perante alguma impreparação dos novos autarcas e a inexistência de um quadro de protecção legal específico temia-se que a desqualificação avançasse pela zona histórica entregue aos apetites dos interesses imobiliários.
Foi assim que a ADDPCTV iniciou uma campanha de sensibilização visando alertar público e decisores para o valor histórico e patrimonial da zona antiga. Com efeito, em 1985 a Associação apresentou um documento base que viria a despoletar, alguns anos depois, a elaboração do Plano de Salvaguarda e Reabilitação do Centro Histórico de Torres Vedras, constituindo-se para o efeito um Gabinete Técnico Local.
Pertencendo à primeira fase da implementação deste tipo de planeamento (apenas Porto e Beja o possuíam), as dificuldades foram surgindo e algumas divergências ocorrendo.
Foi efectuado um levantamento exaustivo de todo o espaço público e dos edifícios, procedendo-se a uma classificação quanto ao seu valor histórico e arquitectónico e ao seu estado de conservação.
No plano das intervenções camarárias registou-se o calcetamento das ruas de comércio e o arranjo (não isento de polémica) dos Largos de S. Pedro, de Santiago e de S.to António.
Tratou-se, é certo, de um plano eminentemente arquitectónico, com pouca relevância no domínio do social. Mas lembramos que a situação era muito diferente da actual, sentindo-se ainda alguma vida nas suas artérias. Na nossa perspectiva, faltou a implementação de medidas efectivas de ajuda à requalificação – os instrumentos legais existentes não funcionaram – sobretudo na zona socialmente mais carenciada, o bairro do castelo.
Também se disse que o Plano era muito restritivo, o que por vezes inviabilizava o desejo de requalificar… mesmo assim assistiu-se à invasão dos alumínios e à demolição de um imóvel de qualidade.
Mas se esta fase não registou grande intervenção nos edifícios privados, também não comprometeu grandemente a identidade do espaço. Ficou, quanto a nós, a macular este primeiro plano a construção de dois prédios de habitação colectiva na rua da Horta Nova, completamente fora de escala e totalmente desinspirados.
De qualquer modo é justo referir o enorme contributo do plano na caracterização do edificado, na distinção das diferentes zonas e consequente definição de regras de intervenção.
Em suma, este primeiro plano colocou o Centro Histórico no mapa.

vvv vvv


Entretanto a cidade parecia ter redescoberto o valor simbólico do Centro Histórico mas foi incapaz de suster o seu abandono e degradação face aos desafios que uma nova lógica económica impunha.
Primeiro foram as classes mais abastadas que abandonaram as suas moradias na procura de maior conforto e sinais de modernidade. Depois seguiram-se as instituições administrativas e económicas (autarquias, bancos, etc.) que desandaram em busca de novas centralidades, de maior exposição pública e de maior operacionalidade.
Restaram algumas franjas sociais, de menores recursos, algumas actividades artesanais em fase de extinção e o comércio dito tradicional. Neste parecia residir a última forma de manter viva aquela zona, assegurando algum movimento diurno nas ruas comerciais, que foram ficando desabitadas, cedendo os seus pisos sobrados a armazéns, deixando a noite sem vida, que os raros cafés, restaurantes e bares não conseguiam animar.
Mas até esta terciarização – já de si sinal de uma amputação da vida social urbana – parece, hoje, incapaz de competir com a feroz e desumana concorrência das novas formas de comercialização: as grandes superfícies e as lojas chinesas.
É neste quadro de uma economia (demasiado) aberta que temos de enquadrar (e aceitar?) a perda de vitalidade dos centros históricos.

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