06 dezembro 2012

SETE POEMAS À LUZ




A Diana Coelho e o Luís Filipe Rodrigues disseram "sete poemas à luz" - um momento muito bonito do programa comemorativo do Centenário da Luz Eléctrica em Torres Vedras ( 1912 / 2012), às portas dos Paços do Concelho.
O Pinto Gouveia estava atento e fixou estas imagens. Obrigado.

Muitas pessoas pediram-nos os poemas que lá foram ditos. Aqui ficam. Foram coligidos pelo Luís Filipe Rodrigues.

* * *

SETE POEMAS À LUZ


1.
Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm vida própria
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem nos olhos do homem.

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca.

Mário Cesariny, in "Pena Capital"

2.
Ah! Querem uma luz melhor que
a do Sol!
Querem dias mais dias do que este!
Querem praça mais bela do que esta
que vejo!
A mim este Sol, esta praça, este dia contentam-me.
Mas, se acaso me descontentam,
O que quero é um sol mais sol
que o Sol,
O que quero é praças mais praças
que esta praça,
O que quero é dias mais dias
que este dia para poder celebrar tudo em cada momento –
Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira!

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"

3.
Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai que bom que isso é meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus só p'ra me provocar
Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar
Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará
Pela luz dos olhos teus
Eu acho meu amor que só se pode achar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar.



4.
Amo-te nesta ideia nocturna da luz nas mãos
E quero cair em desuso
Fundir-me completamente.
Esperar o clarão da tua vinda, a estrela, o teu anjo
Os focos celestes que a candeia humana não iguala
Que os olhos da pessoa amada não fazem esquecer.
Amo tão grandemente a ideia do teu rosto que penso ver-te
Voltado para mim
Inclinado como a criança que quer voltar ao chão.

Daniel Faria, in "Dos Líquidos"

5.
Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta, 
Em que as cousas têm toda a realidade que podem ter, 
Pergunto a mim próprio devagar 
Por que sequer atribuo eu 
Beleza às cousas. 
Uma flor acaso tem beleza? 
Tem beleza acaso um fruto? 
Não: têm cor e forma 
E existência apenas. 
A beleza é o nome de qualquer cousa que não existe 
Que eu dou às cousas em troca do agrado que me dão. 
Não significa nada. 
Então por que digo eu das cousas: são belas? 
Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver, 
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens 
Perante as cousas, 
Perante as cousas que simplesmente existem. 
Que difícil ser eu próprio e não ver senão o visível! 

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XXVI"


6.
Meus olhos vêem melhor se os vou fechando.
Viram coisas de dia e foi em vão,
mas quando durmo, em sonhos te fitando,
são escura luz que luz na escuridão.
Tu cuja sombra faz a sombra clara,
como em forma de sombras assombravas
ledo o claro dia em luz mais rara,
se em sombra a olhos sem visão brilhavas!
Que benção a meus olhos fora feita
vendo-te à viva luz do dia bem,
se a tua sombra em trevas imperfeita
a olhos sem visão no sono vem!
Vejo os dias quais noites não te vendo,
e as noites dias claros sonhos tendo.

William Shakespeare, in "Sonetos (43)"

7.
Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumiére
just a little light
una piccola…em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a advinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça
Brilhando indefectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
Indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
Como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
No meio de nós.
Brilha.

 Jorge de Sena (in Fidelidade, 1958)




1 comentário:

  1. Adorei os poemas , escolhas perfeitas.
    Preservar o patrimônio , eu prometo! rs
    me convide para a assembleia geral rs
    meu abraço

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